Perguntas e respostas sobre prevenção ao suicídio
Entre as ações da FHGV para o Setembro Amarelo, movimento que aborda a prevenção ao suicídio, destaque para a entrevista com o coordenador da Unidade de Saúde Mental do Hospital Municipal Getúlio Vargas, o enfermeiro e especialista em saúde pública Luís Afonso Cabral*. Ele fala sobre alguns mitos e verdades a respeito do tema, e responde a questões que muitas pessoas gostariam de fazer a profissionais que tratam do assunto.
Mito ou verdade: As pessoas que falam em suicídio só o fazem para chamar a atenção e não pretendem, de fato, terminar com suas vidas.
Luís Afonso – Um grande mito, as pessoas que tentam suicídio estão pedindo ajuda, pois para elas parece a única saída. É um pedido de ajuda claro, se não forem ajudadas, tentarão novamente. Mas como são sentimentos ambíguos, consideram a possibilidade de lutar para continuar vivendo. A vontade de viver aparece sempre, resistindo ao desejo de se autodestruir, é uma constante dicotomia entre ficar vivo e morrer, como se essa fosse a única alternativa para os problemas ou sofrimento que esteja afetando a pessoa.
Uma mudança brusca e negativa, ou mesmo uma depressão, pode provocar uma atitude suicida?
Luís Afonso – Sim, situações de conflitos e sofrimentos são inerentes à existência humana, porém, cada um lida de forma diferente. Cada pessoa necessita de uma escuta única e individualizada, o tratamento e acolhimento do EU, pessoa, é a parte mais importante desse processo. A mesma situação pode ser considerada, para alguns, um sofrimento maior do que para outros. A maioria dos suicídios e das tentativas de suicídio é feita por pessoas inteligentes, temporariamente confusas, que exigem muito delas próprias, especialmente se estiverem em crise. Temos passados por mudanças importantes. Há dez anos esse público era entre idosos com mais de 70 anos. Segundo dados da OMS, a lógica inverteu proporcionalmente ao público jovem e economicamente ativos, entre 14 – 39 anos, deixando uma lacuna ainda mais preocupante, o futuro das pessoas e do país. Segundo ainda a própria OMS, a cada 4 minutos 1 pessoa, se mata, e a cada 3 minutos 1 pessoa tenta pelo menos o suicídio. A partir da fragilização de uma pessoa por uma depressão ou outro problema psíquico, podem ocorrer dificuldades para encarar mudanças inesperadas, como perder um emprego importante, uma pessoa amada ou ainda perder alguém por doença.
Os casos de reincidência são comuns nas tentativas de suicídio?
Luís Afonso – Sim, um em cada quatro casos tenta de novo no ano seguinte, e um em cada dez acaba conseguindo, segundo pesquisa do núcleo de epidemiologia psiquiátrica da USP. Conforme a OMS, em 2020 o suicido será a segunda causa de morbimortalidade no mundo, perdendo somente para as doenças cardiovasculares.
As taxas de suicídios aumentaram 30% nos últimos 10 anos entre adolescentes. Há alguma explicação para isso?
Luís Afonso – Sim, a adolescência, por si só, já é uma fase de conflito e questionamento constante das relações sociais, parentais, afetivas… Nossa sociedade vive uma realidade de constante cobrança e exigências de padrões cada vez mais rígidos e moralistas. As mídias digitais e as próprias redes sócias estão com uma contribuição que vem na contramão do processo, onde informações, brincadeiras, jogos que exigem tarefas às vezes fatais para os adolescentes, rapidamente tomam proporções gigantescas. Obedecer a ordem da sociedade, reviver seus conflitos e elaborar essas contradições coloca muitos adolescentes em situação de extremo sofrimento. É importante ressaltar que o comportamento suicida não quer matar a vida, e sim acabar com um sofrimento intenso e muitas vezes momentâneo que se está vivendo. Vários fatores levam os jovens, adultos e idosos a cometerem suicídio ou tentativa, como problemas familiares e abuso de drogas (entre elas o alcoolismo), perda da identidade, fatores de vulnerabilidade, fatores de resiliência, questões anêmicas, questões culturais. O imediatismo e o consumismo fazem com que os adolescentes não desenvolvam tolerância à frustração, e por isso acabam por tentar suicídio ou ainda refletir inúmeras vezes sobre esse ser o melhor caminho.
O que fazer quando uma pessoa fala em tirar a própria vida?
Luís Afonso – Existem fatores de proteção para a pessoa, como, por exemplo, profissionais preparados para lidar com essas situações. Outro fator importante é espiritualidade, não no sentido de religião, e sim em crença, até ser ateu. Os familiares e profissionais de saúde, como um todo, devem ficar e estar atentos para identificar sinais de alerta e encaminhar o paciente para um serviço especializado. Outra medida a ser tomada pelos familiares é conversar, ouvir, pois nem sempre é fácil se abrir com alguém, até porque a pessoa chega a esse ponto normalmente por se sentir solitária, sem confiar em ninguém. O estabelecimento de um vínculo com algum profissional ou serviço de saúde, na escuta única, ajuda em muito nessas horas.
Qual o procedimento quando, num hospital ou unidade de saúde, é identificado um usuário que tentou suicídio?
Luís Afonso – Novamente faz-se necessário o retorno da escuta individual, assim proporcionando a criação de vínculo e melhora na avaliação da situação. Em casos mais graves, há a indicação de internação. Em casos em que a família consegue minimamente dar suporte, o paciente deve ficar monitorado 24h, até a cessação do risco. O apoio da família e amigos é importante nesse momento. Se o paciente chega com o quadro clínico grave, ele primeiro é estabilizado na emergência e após vem para a unidade de saúde mental. Aqui é recebido pela equipe multidisciplinar, que toma providências para que ele seja monitorado o tempo todo, seja medicado e fique em condição confortável. Mas pregamos que todo sistema precisa realizar um trabalho conjunto nesse aspecto, se essa pessoa, criança, jovem, adolescente, homem, mulher, idoso, chegou ao serviço de saúde no hospital, alguma parte teve falhas, seja na família, seja na comunidade, seja na escola, seja na atenção básica, normalmente essas doses de tentativas desestabilizam e envolvem geralmente entre 4 pessoas da família e de seu convívio mais próximos. Precisamos falar sim em suicídio, mas principalmente precisamos escutar. O sujeito precisa estar confiante no seu empoderamento de fala, tornar-se protagonista de sua história. Este é o real papel de todos os profissionais de saúde, falar sim, mas escutar muito, muito, muito mais, só assim começaremos a diminuir esse número assustador, nessa escala gradativa que se encontra o suicídio.
*Enfermeiro Luís Afonso, coordenador da saúde mental do HMGV, especialista em Saúde Pública, MBA em Administração Executiva de Serviços de Saúde, Mestrando do Programa de Mestrado em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano e Sociedade, pesquisando novos instrumentos para qualificação do atendimento dos pacientes da saúde mental para o HMGV.